Eu não tenho medo de
voar. Eu tenho medo de estar fechada num lugar e de ter escolhido estar fechada
nesse lugar. Tenho medo porque meus pés sentem o chão, mas ele é falso. Meus
pés sempre me obrigam a sentir a verdade e eu sou obrigada a dizer a eles que
aquele chão não dura e nem é de terra. Tenho medo do absurdo que é sorrir e
dizer “guaraná normal e sem gelo, grata” enquanto se quer dizer “que merda é
essa de estar voando se não sou a porra dum passarinho?”. Tenho medo porque
quando acabar estarei em outro lugar. Agora, se eu pudesse escolher o maior de
todos os medos, eu diria “a chance disso cair agora é muito pequena”. Estou
sobrevoando, sem inteligência, a água profunda que aprendi a chamar de casa mas
também de intervalo. A verdadeira angústia de voar é estar acima da nossa vida.
Voar é tornar nossa rotina banal. Estou voando há dias, de primeira classe, com
vista para o desenho de um país que não sei o nome. Ao lado de uma pessoa que,
até que enfim, não é mais uma barrinha de cereal.
- Tati Bernardi
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